quarta-feira, 4 de julho de 2012



O inicial estranhamento. O show começa com a voz feminina nos máximos agudos, acompanhando o sax e clarinete, na mesma nota. A voz só fala, sons inventados, talvez ali na hora. Igual quando se canta um longo instrumental que já se conhece de cor. Mas ali.. daquele jeito.. me pareceu enjoativo.
Eram vários sons. Se fazia som com garrafas, com água, com um turbante e até com uma chaleira! Era uma mistura que não fazia sentido. Todos em uma roda. Enquanto um fazia solo, os outros saíam dali, iam conversar, ou tomar água, enquanto o um ficava lá, entregue ao mundo, tocando sozinho. Achei uma falta de respeito. Cadê o clima? Cadê o respeito com o músico do solo? Será que estão ali atrás conversando sobre futebol enquanto o outro toca? É um absurdo.
Daqui a pouco todos voltam, o som rolando. E ficam assim, nesse vai e vem, e a voz feminina..
Aquilo foi me irritando. E por que ele não tocava? Tocava um pouquinho num órgão, e saía. Andava entre eles, gritava seus nomes, dava ordens, gesticulava. Alegre, tudo bem. Mas por que desse jeito? E parava, conversava com a platéia, fazia uma rimas. Até disse umas coisas que gostei, que lembro mais ou menos assim: "quando vim em Brasília, antes de vocês nascerem, quer dizer, vocês não estavam aqui materialmente, mas já estavam espiritualmente. Por que a gente vive, a gente sempre vive, a gente está, a gente simplesmente é." E fazia com que a platéia repetisse com ele alguns sons aleatórios..
Apesar da alegria, da conversa e da total integração com seus músicos, aquilo ainda me irritava..
Não pude negar que uma atmosfera ia crescendo, diferente, no meio daquilo tudo.
Foi então que lá pelas tantas, eu já meio que acostumando com aquilo, ele pega um instrumento. Admito. Não sei o nome do tal. De sopro, grande, grave e prateado.
E começou a soprar naquilo, de uma forma assim meio bruta, aquele grave ecoando no teatro lotado..
Me senti entorpecida, como se entrasse num sonho caótico.
De repente um sopro mais forte e vrooom! "Nossa, estuprou o instrumento", pensei. Segundos depois, uma voz, também feminina grita na platéia "chega!".
Foi aí que a lâmpada se acendeu. Não, não era a do teatro, obviamente que não.
A música, a voz feminina, os sons todos, tudo rolando...
Aquilo era um filme, daqueles que causam sensações estranhas e que a gente passa uns dias pensando.
Ou era um quadro, daqueles que sem explicação, causam também, sei lá o quê.
A banda continuou. Vi umas pessoas saindo do teatro. Umas e depois outras.
O som rolando e ele, novamente, pedindo para a platéia o acompanhar, repetir com ele os sons aleatórios.
Comecei a ouvir risadas à minha direita. Duas meninas riam, mas riam muito. Elas não conseguiam parar de rir. Risadas boas, de divertimento e prazer. Senti depois várias pessoas rindo também, atrás, na frente, as risadas se alastravam por ali.
A coisa agora fazia sentido pra mim. E a conversa dele agora era de pai, avô, bisavô. Já chegando no fim, quando se afastava lá por fora da roda, abraçava alguns dos músicos, com muito carinho e agradecimento.
Cada um sentiu de um jeito. Eu senti várias coisas. Foi inesquecível. Admirável.
E a percussão era "uma barraquinha de vender badulaques ali da torre".


Hoje, 03 de julho, show do Hermeto naquela maravilhosa Villa Lobos, tudo verde e rampa interessante, pedacinho de espiral, em que todo mundo se observa na subida e na descida.




quinta-feira, 26 de abril de 2012




e se a hora não chegar?
como se o tempo parasse
ali escondido na esquina
dando risadas da minha tolice
de achar que a hora vem
e da minha esperança preguiçosa
luz fantasiosa de histórias que criei pra mim.

risadas doces
acha graça com compaixão
e tímida esse tempo me faz

corre e pede pra eu seguí-lo
não consigo
chego perto
fico longe
e ele pisca sorrateiro.
quando finalmente me abraça
faz com o dedo na boca
gesto de silêncio.
e fico por ali à espreita
quem sabe essa hora chega..





sábado, 24 de março de 2012

...




e toda vez que aparece aqui
mesmo não lembrando de nada de mim
me abre uma porta
e mais outra
uma janela
um teto
iluminando meu caminho
no meio de todos esses sons.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Espírito


a quilometros de distância
na noite escura, fria
entre um chuvisco e outro
sentiu aquele cheiro
mesmo de tão longe
era muito nítido
resolveu procurar.

guiado pelo cheiro malvado
passou por entre os prédios
quietos e iguais
o cheiro havia escolhido um de seus lugares preferidos
na ingênua intenção de calma
e cada vez que se aproximava
percebia que o cheiro exalava
descontroladamente.

foi quando encontrou de onde vinha
ahh que maravilha observar
ela tinha aquele sorriso fácil que esconde toda a incerteza
as pernas trêmulas disfarçadas pelo caminhar
e o olhar nervoso pelo canto dos olhos
de quem não consegue esconder
a inquietude daquelas pernas.
os esquecimentos eram os mais bobos
a procura era irritante desesperada
por assuntos aleatórios talvez interessantes
e o pensamento mortífero de nada saber
com exceção de uma única certeza:
a de estar errando
irremediavelmente.
como era lindo sentir o cheiro tomando conta dela
poder ver agora cada mínimo detalhe de suas expressões
a cautela, o raciocinar de um movimento
a busca incessante pela naturalidade
o azul transtornado dos olhos
e o abafar da taquicardia estúpida.

o cheiro agora se misturou com a fumaça
se tornou inconsciente
colorido, encantador
mas continuava lá
talvez mais leve
talvez mais calmo
disfarçado, quieto pela névoa..

e ele ali observando ela
perdida no meio daquela ilusão
apaixonado pelo cheiro
apaixonado por aquela paixão
pela vibração nervosa emanada
e ela ali sem perceber que continuava exalando
inebriante
o cheiro da ansiedade

domingo, 1 de janeiro de 2012



   
11/02/09


ao meu lado esquerdo chuva, mas se eu olhar um pouco atrás um pedacinho de arco íris entre as nuvens está escondido
ao meu lado direito sol, mas se eu olhar mais um pouco, nuvens rosas, amarelas, laranjas
na minha frente só a estrada
alguém pensaria "que céu bonito!"
eu não
penso que esse céu é um sinal, uma dádiva, um indício
um presente pra mim
algo para resgatar, mudar ou para crer
penso nisso tão sozinha que sozinha dou risada
não sou o centro, esse céu não é só meu
mas o céu está ali pra qualquer um, pra todos
basta acreditar, e ele é seu
e eu tenho certeza que ele é pra mim
a estrada ficou melhor
agora já sei o meu caminho e onde devo parar
mas mesmo se não soubesse, não teria importância
ter imensidão do céu como presente
isso me traz muita esperança

(acho que amanhã não saberei mais,
mas novos presentes virão)